Menino, lembro da última vez em que conversamos e que por alguns instantes eu reclamava de minha vida, e você me mostrava que para todos momentos que possam parecer difíceis sempre chegam outros nos quais o júbilo de outros momentos, um pouco melhores, dão sentido a nossa existência.
Eu falava, eu reclamava, e eu te mostrava minhas fraquezas, você me ouvia, me acalmava e me dizia que tudo ia ficar bem. Não sei se ficava bem mas pelo menos parecia que sim.
Algumas vezes eram apenas reclamações bestas e sem sentido, rememorações... Outras vezes era um pouco mais complicado e nem você sabia o que me dizer, e assim sendo apenas me dava um abraço e me mostrava que em certas situações a gente não vai saber o que dizer, mas que um abraço pode sim ser sinal de apoio.
Menino, eu tentei seguir seus conselhos e me tornar uma pessoa melhor. Tentei ser aquilo que eu tanto idealizava e tinha como certo. Reescrevi alguns capítulos daquela história que eu te contei e segui em frente mesmo depois de ter passado por tanta coisa. Eu tentei ser mais extrovertido, eu tentei falar um pouco mais de mim, e por achar que isso seria fundamental mudei até minha aparência, pois como bem sabe menino, eu nunca fui feliz. Eu tentei ser, mas acho que falhei. Falhei por achar que mudar o meu aspecto físico conseguiria mudar também o que eu era por dentro. Falhei por pensar que ao cuidar seria cuidado. E não por poucas vezes pude ter a amarga experiencia de confiar demais, e de me machucar demais.
Menino, não sei se eu realmente mudei ou se eu me auto sabotei. Não sei se tentando ser feliz, pude causar felicidade. Talvez por eu sempre ter me achado, ou por sempre estar perdido em meio a tantos questionamentos eu tenha me enrolado e não por poucas vezes não encontrado nenhuma solução.
Durante algum tempo eu tentei não chorar, em outros tempos chorei muito. Durante um tempo tentei apoiar, em outros precisei de apoio. Acho que não tive.
Acho que esperei muito, e criei muita expectativa me idealizei como um ser perfeito. Tentei ser esse ser perfeito, por mais que este nunca tenha sido explicitamente meu objetivo.
Fui acusado de tentar parecer perfeito, por tentar viver com um pouco de paz, e com um pouco de aceitação.
Peço desculpas menino, por ter te deixado um pouco de lado, e por ter te ignorado tanto a ponto de não querer me lembrar da sua imagem. Peço desculpas por não ter sido tão seu amigo, do jeito que sempre foi para comigo. Você tentou me animar por inúmeras vezes. Eu não consegui fazer com que você se sentisse bem e confortável.
Você me ajudou a tentar me tornar alguém melhor, e eu
tentei, juro que tentei. Mas vejo que não fui suficientemente bom.
Agi de acordo com princípios que tive como pilares de minha formação. Fui por isso, por vezes abandonado. E isso não foi bom, nunca foi, nunca será. Provavelmente menino, não é a primeira vez que escuta chorumelas de minha pessoa nesse sentido. Confesso que sou bastante conflituoso, mas também você me conhece bastante a ponto de saber que minhas lágrimas não são de falsidade, e que meus dilemas não foram criados de propósito. Pelo menos, não por mim.
Confiei demais e vejo que agi assim por não confiar em mim. Por no fundo ter comigo o sentimento de inferioridade, e por, infelizmente, mesmo que você me alertasse tanto,continuar puntuando que eu não merecia algo bom, por eu não me achar suficientemente bom.
Lembro-me quando criei a capa de proteção e comecei a usa-la, mas esqueci que a capa não podia me esconder de você. Lembro dos primeiros retratos, coisa que eu tinha pavor. Lembro que comecei a me mostrar, algo que eu tinha ainda mais pavor. Lembro que gostei disso, mas que com isso, você foi ficando de lado. Foi ficando a sombra, e aos poucos eu fui me esquecendo do quão importante eram nossas conversas, nossos desabafos.
Foi preciso que eu caísse mais uma vez, e dessa vez com ainda mais riscos, para que eu começasse a enxergar (de novo) que eu não fui, não sou e nunca poderei ser diferente daquilo que eu sempre fugi ser. Que a vida é cheia de espelhos, e que não adianta me esquivar dos reflexos pois a qualquer momento, tenho me esbarrado em algum. E me esbarro nos espelhos, e os espelhos as vezes são quebradiços e me ferem.
Não sei se consigo ou se conseguirei algum dia a ver sentido em tantas colocações. Não sei também se um dia você conseguirá me perdoar por ter te deixado de lado, por que na verdade nem eu seu se consigo me perdoar por tamanha atrocidade.
Você me ouvia, e pra você eu podia mostrar meu problemas, e eu podia ser o grande cara com coração sempre apertado. Com você eu conseguia ser assim, não sei se consigo mais assim ser.
Hoje, em tal momento não consigo ver sentido em muita coisa. Vejo que errei por esperar do outro o que o outro não esperava em mim. Não sei se fui suficientemente bom, ou se fui um completo fracasso.
Talvez não tenha sido um fracasso total, só talvez. Gastei muito tempo sendo a positivação do que eu tinha como certo, poupei e não fui polpado. Nem sei se polpei. Pra ser sincero nem sei por qual motivo zelei, por que não sei se zelei, ou se tentei não me machucar ainda mais. Não fui muito vitorioso.
Não posso dizer que "queira ser diferente" ou mesmo "ter agido diferente" por que tenho certeza (ou nem tenho) que faria tudo do mesmo jeito. Cometeria os mesmos erros, confiaria nos outros e desconfiaria de mim. Talvez por minha vida ter rondado nesse sentido. Talvez por eu nem ter vivido de verdade, ou mesmo por eu não saber o que é viver de verdade.
As vezes eu seja muito "reclamão" talvez um ser incompreendido. Mas como cobrar que o outro me compreenda se nem eu mesmo consigo ver em mim alguma compreensão? Por quê critico tanto o outro se o que eu mais faço e me criticar? Talvez eu tenha os mesmos defeitos, ou defeitos até piores... Se é que dá pra medir qual defeito é pior.
Talvez eu chore em silencio por me julgar inferior. E talvez os outros nem me julguem tão inferior assim. Não sei.
Menino, vou tentar, prometo, a partir de agora conversar um pouco mais com você, pelo menos pelo tempo que me resta nesse plano. (não sei se longo, não sei se curto). Vou tentar voltar um pouco para minhas origens, e deixar com que o ser incompreendido que sempre fui possa continuar assim sendo, espero eu, de verdade, não me sentir tão culpado por isso. Não estou prometendo, dessa vez, ser mais paciente, e compreender mais o outro, pois o que realmente preciso é tentar me entender, e me compreender. Já tive, um dia vontade de viver, eu acho. Já tive um dia esperança que a felicidade tornaria-se parte de mim. Está demorando, mas ainda que hoje não acredite tanto em tal sensação, e que tal sensação possa fazer parte do meu mundo, quero começar a acreditar que em algum momento terei enfim felicidade. Seja em qual terra for.
Obrigado menino, por me escutar, e mais uma vez desculpas por ter te deixado em um canto sozinho... e por ter tentando esquecer que você faz parte do que eu sou, e do que eu vivo, ou pelo menos tento viver.