Incrível ou entristecedor é o modo como são dadas as relações de convívio em nossa sociedade, se por um lado a rotina faz com que tenhamos segurança, por outro nos acomoda. E vamos vivendo em um buscar constante de algo que nem ao menos sabemos do que se trata, por vezes criamos a ilusão de que a estrada está pronta e só nos resta segui-la, desviando dos obstáculos que todos já conhecem. Treinamos, pois, o mesmo jeito que todos os outros tiveram para tentar solucionar algo tido como empecilho no decorrer de sua jornada.
O gosto por vezes amargo demais de uma possível derrota começa a ser sentido antes mesmo daquela se tornar concreta. E por não raras vezes deixamos de chegar às rosas por medo dos espinhos. Esquecemos pois que o líquido retido também pode nos fazer, tanto mal ou até mais do que a sensação de dor caso inevitável fosse o rasgar do possível pontiagudo. Evitamos uma dor, ou apenas a alimentamos?
Enquanto o turbilhão nos assola, e nos pega em momentos de reflexão, do lado de fora há um jardim cheio de perfume, de rosas e de espinhos. Enquanto o portão se mantém trancado, a chave está guardada em nosso bolso. Hesitamos pois em usa-la, por medo de perde-la ou de quebra-la.
Mas por que temos tanto medo de perder ou quebrar uma chave que tanta dor nos traz ao nos deixar presos em um ambiente interior que não nos conforta? Será mesmo que exista tal chave, ou será que o que prende a porta não é nada mais que um velho cordão já sem fibras suficientes para amarrar o que quer que seja?
As limitações pelas quais passamos são revestidas de um pudor desnecessário, e o desnecessário passa a ser poeira, que se acumula e aos alérgicos é como veneno. Não traz consigo a elegância e o perigo da mais bela espada, mas esconde as doses que matam aos poucos. E o que nos serve de proteção nos priva. E se nos priva é por que não nos protege, mas nos bloqueia.
Longe de mim ou de qualquer forma do meu pensar, lançar de antemão um caminho perfeito, pois assim estaria não mais do que perpetuando o que tenho como crítica. Não há solução findada para nada que nos prende de nós mesmos; A tomada de consciência é mais do que fundamental.
As vezes em cada percurso haverão pontes diferentes, e algumas dessas pontes podem estar quebradas, ou mesmo em dias de chuva, a enchente estar tão forte que a ponte nem ao menos possa ser vista. Mas isso não significa que ela não exista. Por vezes o que é necessário é escoar a água, ou consertar a ponte. O estagnar-se de frente ao monumento é aceitável pelo período de tempo suficiente para que as águas abaixem. Porém chega uma hora que ou se concerta a ponte, ou se atravessa ainda que um pouco molhada, pois se esperarmos demais pode ser que hajam novas tempestades, e depois de cada tempestade o ponte volte a ser coberta pelas águas, ou mesmo volte a perder partes fundamentais para que seja possível a travessia.
O que nos faz ter coragem para atravessa-la ou mesmo para ter atitude de conserta-la é, não a certeza, mas a possibilidade de do outro lado da margem estar um local um pouco melhor. Talvez por não conhecermos tal lado criemos expectativas para serem frustradas ou novos medos que nos façam ficar por demasiado tempo do lado que nos traz uma falsa segurança.
Pode ser também que com o tempo, novas tempestades ultrapassem a capacidade de suporte da obra, e a carregue consigo, evitando logo a possibilidade de de conhecermos o outro lado daquilo que pode ser o inferno ou o paraíso. Tenho por mim que a frustração de não conhecer, querendo conhecer, seja maior do que a possível frustração de um arrependimento.
Pode ser também que ao lado da ponte haja outros caminhos, que possam ser seguidos, mas que muito provavelmente levem a mesma ponte, uma vez que em áreas onde há um rio de proporções arrebatadoras dificilmente haverá apenas uma ponte. Logo pode ser que tomando novos caminhos, ainda desconhecidos tenhamos a falsa impressão de que estamos caminhando para a paz, enquanto estamos apenas postergando o enfrentar da ponte, ou o desabar da ponte.
Não há nada mais perturbador que escutar o barulho das águas, enquanto sabemos que precisamos atravessa-la. E ainda é pior quando temos a sensação que a ponte pode desabar a qualquer momento, tanto que alguns aventureiros se arriscam e correm por cima da ponte por não mais suportarem esperar, e maravilhosamente alguns conseguem chegar do outro lado. Os que não conseguem talvez aprendam a nadar e cheguem do outro lado assim como àqueles que com medo, mas com coragem e altivez passaram pelo conturbado caminho.
É preciso que deixemos pra traz o peso que nos coloca em risco ao estar em cima de uma ponte frágil. É preciso que avaliemos se nos é necessário passar pela ponte, por que não suportamos o velho lado, ou se temos coragem e vontade de conhecer o novo. É preciso que consertemos as nossas pontes interiores, e é preciso que comecemos a viver não pelo caminho da certeza mas pela esperança do que nos pode trazer mais paz.